sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Sofrimento atroz


Bravas correntezas da mente
Pulverizadas por séculos de penúria
E o sexo abstrato dos parricidas
Contaminam crianças em inocência
O jovem observa o caminhar ateu
E sem nome da jovem das cinzas
Marcas de um antigo amor esquecido
E o campo às vezes é somente ilusão
O tempo carcome pernas paralíticas
Abrindo outras feridas de vida
O passo concreto sobre lápide negra
O choro, o riso, o choro, o riso
Resolução louca, luta com sacrifício
Morte como solução para problema eterno
Onde o amor não pode movimento
O sofrimento impera como caótico
Deus máquina horror explícito
O corpo é pouco para tantos ais
Entre campos a serem contaminados
Outras vertigens a serem sentidas
Outros poros a serem expostos

Ivanhoé

Ivanhoé atravessou o Mar Vermelho
Em busca de seu filho Arcade
As naves não aguentavam todo seu peso
Certamente também a sua angústia
E os mares trepidaram sob seus pés
E os ventos cantavam-lhe uma canção
Árcade a distanciar-se cada vez mais

Observo

Eu olho os homens como quem
Observa imagens apodrecidas
As faces para sempre marcadas
Pelo horror do sempre ter sido
Eu observo os seres em seus
Puros e desgarrados desejos
Os sonhos livres do ódio e do cruel
Vítimas esmerilhadas e superficiais
Eu vejo animais correndo pelo campo
Fuga incessante da presença da morte
A respiração pesada dos sempre vizinhos
Impregnando o ar da bondade impura
Eu canto os homens sem muito prazer
Como se cantasse os jamais nascidos

Ele livre

Ele marcara um ponto em seu botão
As feras que poderia ter vencido
Cantou músicas em algumas esquinas
Homens circulando olhares embriagados
Ele muitas vezes se punha de prontidão
As esperas que ele ousava enfrentar
Um dia conhecer as dores de seu corpo
E nunca mais seu sono foi o mesmo
O olhar agora diferenciado para o outro
Algo que crescia por fora dele
O confronto com o desejo inesperado
E uma súbita confissão de culpa
Ele um dia conheceu o poder do fogo
E o poder da palavra morte
Houve um tempo para ele o do passado
E um presente tedioso em demasia
Seu futuro prometia menos ainda
Ele caminhava como quem flutuava
Ignorando elementos fundamentais
E calava o ardor que seu corpo emanava
As nuvens lhe eram densas como rochas
E o carinho buscado sempre alhures
Ele um dia confrontou-se com a posse
E percebeu o quanto era de menos
E não cabia nele algo mais valioso
Que a própria percepção de seu espaço
Ele um dia partiu livre pelas montanhas
E seu corpo um dia inerte, bruto

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Um homem chega

Um homem chega e seu chegar é
Calmo como passos em seda
Viajante noturno vem de longe
Trazendo lembranças de outrora
Fotografias de pessoas velhas e novas
A mala cheia de arqueologias
Um homem chega a qualquer lugar

Filosofia de sapo


Tergiversam os sapos na lagoa fresca
Sobre a provável origem de seu povo
Seriam eles descendentes de um anfíbio mor
Ou seriam sementes de extraterrestres
Teriam sido criados por um deus
Ou surgiram espontaneamente
Discutem os sapos acaloradamente
Sem perceber o inimigo a espreitar...
De que vale tanta filosofia?

Entorpecimento

Vadias as noites do insone púbere
Cabeça cheia de imagens flutuantes
Pedaços de corpos que se tocam
Humidamente e aprontam o espetáculo
Acordar sem perguntas a responder
O sol ainda escondido no zênite
Nuvens negras que flutuam descontroladas
Viajantes entorpecidos pelo ácido
Passeiam por campos ermes e floridos
Sintonizando seu pensamento comum
E no horizonte lúgubre uma imagem
Eterna e eternamente realimentada
Pisando chãos cobertos de lama
Vagueiam insensatos homens perdidos

Eremita

Na vertente do rio
Um homem esquecido
Sua morada interna
Eleva-o aos céus
Matéria nua e pura
Prendem-lhe o sentido
Vive de flores e águas
Mansidão que o revigora
Poder que encontra
Nos vapores de sua mente
Cândido homem 
Tão poucos como ele no mundo!



Sonhos e nuvens

sonhos e nuvens
formações euclidianas
desejos em profusão
mistérios que desanimam
votos de silêncio
sonhos e nuvens
marcando estações
               verdades
                         fé
quão longe os homens de seus sabores
imagens quebradas aos pés de outros altares
vingança premeditada e uma vez conseguida
sonhos e nuvens
cores aberrantes
coincidências flutuando dentro da mente
razão obscurecida sob o topete branco
um calor infernal no trem das sete horas
partida tantas vezes sentida e adiada
sonhos e nuvens
algodão desvanescente

Herança paterna

tempo pouco passou-se pós sua morte
negras roupas usadas nunca demasiado
e pensamentos voltam-se para restos deixados
objetos para os quais presta-se o desejo
são eles marcas eternas de uma ignorância
herança paterna que cobre outros restos ausentes
pois pelo que é preciso lutar um dia não é
assimilável quanto aquilo que fica bem ter findado
um pai morto que deixa casas e dinheiro
os herdeiros contentes com um resvalo de prontidão
mais preferível seria a coragem e o bom senso
mais preferível seria o amor e a bondade
um pai nada disso deixa de herança
como marca do que um dia pode transmitir
não vale o que de memória resta nos filhos
melhor ser esquecido e deixado aos documentos
esses sim valorados pelos pouco exigentes
restos materiais não deveriam tanto interessar
mas quando não se herda nada mais que isso
melhor é a ilusão de uma paternidade finda a tempo

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Falsos sábios


Convidados à mesa da sabedoria
Cada um com seu quilate a repor
Dez minutos depois a mesa vazia
Em fuga homens seriamente iludidos
Espalhando o vazio-saber pelo mundo

Guerra santa

Claro o clero com cruzes no peito
Luzes dos obuses que cruzam o céu
Cidades de idades milenares sob fogo cruzado
Igrejas invadidas e entupidas por religiões
Fome dos que não comem e somem da vida
Governantes, deuses, juízes, padres... povo
Ondas de andantes em fuga plena de amado país
Homens tolos que geram guerras e riem a torto

Destino

Fata morgana, caminho cruel
Pode um homem caminhar sobre brasas?
Volto minha outra face para o Oriente
Outra forma de vida, desligamento
Destino inesperado bate à porta
Fortuna, aquela jamais esperada
Duas fontes, dupla escolha que inquieta
                     horizontes
                     nomes
                     amores
                     ilusões
                     mortes
                              Longe de mim ser um
Somos todos os homens
Bestificados com o destino da humanidade
Paro e contemplo
                         o eterno que me assedia
Vacas pastando em campos sofridos
Carne sangrando na mesa capitalista
Vozes que se ouvem no quarto ao la
                      sons
             luzes
                      partos 
                      tiros 
                      mortes
                   

                      


Caralho


Um membro balançante entre as pernas
Maquinaria de puro gozo
Instrumento movimentado entre mãos
Untado por saliva doce e quente
Um membro que cresce frente à esperança
E vibra diante de tão esperado abrigo
Líquido branco que jorra feito fonte
O prazer de contemplar felicidade alheia
Mas que egoísmo não cabe dentro dele
Não pode eternamente dividir seu calor

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Absolutismo

O primeiro voo da Águia
Hitler saqueando a Europa
Paris sitiada e assustada
(E por que ainda criticam Bergson?)
Sweig fugindo para o Brasil
Judeus nos fornos de cremação
Londres acolhendo Freud
O primeiro voo da Águia
Tantas vezes repetido hoje em dia
Por um moderno país de mesmo símbolo

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Coisa desejante


Peri(H)élio: voltas que a Terra dá em
torno do deus Sol
Pér(e)versão: o desejo incomunicável
e a (a)versão do Pai
Longe, o olhar do filho perdido...

Erros

É preciso recomeçar sempre
Fazer do chão uma alavanca
Quedas e erros multiplicados
Volumes que esquecemos na biblioteca
É preciso ser solúvel
E assumir formas várias
Equilibrar-se na corda bamba
Do circo que construímos
É preciso seguir em frente
Fazendo nosso próprio caminho
Ou seguir os já trilhados e seguros
Às vezes é preciso desesperar-se
Para não cair na confiança abrupta
E ser seduzido pelos Senhores do Deserto
É preciso resistir sempre
E tentar a todo custo
Continuar sonhando


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Percurso


As planícies de minha
infância
Carregavam os arpejos
musicais
Os córregos de minha
                         infância
Acolhiam corpos inocentes de
desejos
As ruas de minha
mocidade
Eram percorridas por olhos
acanhados
As praças de minha
mocidade
Conheceram discursos
filosóficos  
Os bares de minha
                        maturidade
Sabiam de necessidades
prementes
Os bailes de minha
maturidade
Viveram momentos de puro
entorpecimento
Onde os lugares de minha
velhice?       
Onde poder envelhecer e
morrer?

Adolescente

Jovem rapaz
Julga-te capaz
De amar e ser amado?
Mancebo itinerante
Sente-se forte o bastante
Para desejar e ser desejado?
Quão fora do tempo estás!

Tédio em uma tarde de sábado


Uma tarde de tédio e tudo por fazer
As músicas do The Doors que arrepiam
Mulher chorando em um canto da rua
Um cachorro coçando suas pulgas
Um avião que passa acima das casas
Um bem-te-vi que canta ao longe
Criança chorando em um canto da rua
Mais músicas de Jim Morrison
Mais um avião que passa sobre as casas
Mais pulgas coçadas pelo cão
Mais bem-te-vis cantando
Homem chorando em um canto da rua
Tantas coisas por serem feitas
Quantos aviões ainda sobrevoarão as casas
Termina o disco do Doors!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sonho cartesiano

As chamas trepidam na lareira
Descartes continua adormecido
Sonha com um novo futuro
O conhecimento, a matemática
Seu corpo parece flutuar
Acorda assustado e pensa
Sou eu mesmo ao acordar ou
Sou um outro qualquer alucinado
Haverá um Deus que me engane
Levanta-se, abre a porta
Caminha sobre a neve recente
Contente por abandonar seu plano
Deixando a salvo o futuro

domingo, 8 de dezembro de 2013

Golem homem


Falo em nome de outro homem
Um outro nome que é o falo
De um homem que nunca é outro
Homem-falo golem nascido nome
De outro deus que não é homem
Falo de um outro deus que é golem
Homem-deus que porta o falo
Homem-golem que é outro deus
Nome de homem que é golem
Falo de um deus que é nome
De todos os homens-falo
Golem-homem-nome-deus-falo

Ingenuidade

Eleger o abismo como um deus
Ao mesmo tempo temer os
espaços imensamente vazios
Onde estaria a maior miséria humana
Ingenuamente nascidos e mantidos
à custa de vãos alimentos
Prosseguiremos por caminhos tortos
de olhos vendados e mente vascilante
Conduz-nos um sátiro saltitante
gozando de um momento supremo
O fim já nos foi indicado no começo....

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Paralelogramo

Um quadro por onde corro meus olhos
Um pisca-pisca lusco-fusco de luzes
Instaladas ao pé de um velho morro
Horizontes que se iluminam por azar
O medo passando rente a alguns corpos
Paralelogramos que se formam no
Entrecruzamento de focos luminosos
Vidas que circulam à luz de velas
A vista cansada do trabalho de
Decifração do cotidiano demais desvalido
Do rame-rame da passagem do tempo
A escuridão cede lugar à lucidez...

Um dia frio


Um aquecedor humano enfim
Solucionar o quarto frio
Um cobertor em sua insuficiência
Um corpo sempre distante
Um banho quente e depois
O próprio frio da solidão
Uma vida sem motivo
Uma tristeza sem fim
Sair em disparada pela rua
Sustentar um pé frente a outro
E como sustentar a vida?

Parco desejo

O que nos dá a vida em um segundo
Tira-nos no segundo seguinte
O abrupto de momentos singulares
O correr contra a própria desaparição
Ganhar e perder como face de uma
Mesma moeda tempotodo revirada
O bem e o mal a perseguir-nos
Nosso desejo principal movido
Por desejos outros que são disfarces
O ponto zero da existência é o
Mesmo ponto final trágico:
A morte anunciando-se desde o começo
E o que procuramos a cada momento
É o contato com algo puro
Que nos faça viver pouco mais
Vida trágica e trágica essência
Nós mortais vivemos no sofrimento
De um dia sabermo-nos para a morte
Longe dela fugir, enfrentá-la!

De tudo, em tudo...

O muro que me separa do mundo
__quem o construiu?
Essa tristeza que me invade tempotodo
__quem a colocou dentro de mim?
Um instante parado no tempo
__quem poderia contabilizá-lo?
Esse rebanho do qual faço parte
__quem o comanda sob chicote?
Um sonho que me persegue no descanso
__quem continua a alimentá-lo?
As perguntas que formulo a cada momento
__quem teria as respostas?
De tudo, em tudo, um pouco de nada

Esforço de ser


Agorinha mesmo eu poderia ter sigo alguém
Entre um facho de nonsense e de loucura
Um momento de crispamento e de emoção
Ontem eu tentei ansiosamente ser algo
Mas meus próprios desejos me derrubaram
Agora, degrau por degrau, a longa escada
Lentamente sendo novamente escalada
Amanhã tentarei alcançar meu ser
E se o futuro for como o passado
Já desconfio que minhas chances
Tanta vezes adiadas, serão mínimas
Meu fim me aguarda na próxima esquina...

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Existência


homens cruzando por noites imensas
imensas suas cabeças que pensam
homens que morrem de medo a cada
instante em que topam com sombras
de outros homens que também se topam...
seres que usam a noite pela
insuficiência de seu dia
que usam a noite para pensar as coisas
homens que se ligam por momentos
curtos e no entanto ininterruptos
e depois partem cada um pelo seu
caminho com a certeza evidente de que
um novo encontro é mera ilusão
seres que circulam perdidos por bares
bebem e na bebida encontram conforto
conforto por seus dias mal vividos
nos bares encontram homens iguais
bebem, jogam, transpiram emoção
mas quando a porta do bar abaixa todos
partem novamente divididos e insaciáveis
com a carga da solidão em suas costas
homens que se cruzam no interior de bordeis
e o encontro é apenas um olhar
a cumplicidade do prazer a ser vivido
o gosto pela mesma mulher da vida
um olhar de cumplicidade que se percebe
um desejo um dia a ser compartilhado
homens de cidades grandes e movimentadas
tantos com quem cruzar-se o tempo todo
tantos também a serem esquecidos
homens que perambulam homens
perambulam homens per-ambulam

Esperando Z.

I
Sinto o desespero
Invadir-me aos poucos
Longe do tudo que me completaria
Mergulho no nada de mim mesmo
Flutuo entre coisas esperadas
Um beijo, um abraço, uma palavra
Apavora-me o distanciamento das coisas
Câncer que percorre carne marcada
O amor, o derradeiro amor
O último um dia prometido
E que agora invade todos os poros
De um corpo que passa do tempo
E longe de cruzar oceanos
Em busca da pessoa adorada
Espero seu assédio em meu canto
Torcendo por um alô de sua parte
E reparto-me em cores que são
Máscaras e disfarces do que posso ser
O mundo é perigoso por si mesmo
E caminhamos entre destroços humanos
Ídolos que se suicidam em seu insuportável
E nossos romances rompidos por um dia
Se buscamos abrigo em felicidade alheia
Quão frágil poderá ser nosso triunfo!
Como galgar montanhas de ignorância?
Como poder ser em meio à turbulência...
Eu busco e não encontro o que me possa
Fazer-me sentir o que um dia puder ser
Metafísica por demais cruel e idiota
A de tentar ser o que o outro é
Esse outro que não tem obrigação alguma
De responder a nossos tolos desejos
E longe do gozo sempre esperado
O tempo-todo cavalgamos cavalos selvagens
II
E prontos para o entendimento supremo
Onde a vontade jamais subjuga a razão
Pensamos poder moldar nossa existência
Longe de exato sofrimento
E pensamos de alguma forma o seguinte:
O que um homem pode amar em outro
Homem é o simples sofrimento
O que uma mulher pode amar em outra
Mulher é o puro saber
O que um homem pode amar em uma
Mulher é o nada absoluto, o buraco
E completamos nossa cadeia de pensamento
Que nada impede à razão de sucumbir
Em algum momento à vontade
Em que o ápice disso seria o suicídio
(de Ian Curtis, de Kurt Cobain, o nosso próprio...)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Paixão

Meus poros vibram de uma dor intensa
Qual paralisia que antecede a morte
Mas é somente a ausência do bem amado
Que cobra seu valor em litros de carne
Onde sanar a dor que penetra fundo
Sair em busca do amor em bares
É lá onde ele se esconde do mundo
Saciar então meus desejos por instantes

Mas sabendo que o resto é sempre angústia

Escuridão

Um pouco de luz saciaria meu ser
em momento tão turbulento
Dias e mais dias de escuridão mental
Fatos e prejuízos que se acumulam
Um pouco de luz diminuiria minha angústia
Já vertida em sangue e em dor
A chuva lá fora combina com meu sentir
chove a cântaros também dentro de mim
Os objetos mudos distanciam-se
O passado passa por mim como tufão
Poder esquecer por um momento o mundo
Meu corpo pressente a cada poro
a difícil tarefa de poder ser
Mas jamais cair em ilusões
equilibrar-se no que for possível

e seguir em frente por entre mortos