quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Paisagem no corpo

Paisagens exuberantes em corpo alheio
Marcas que são sulcos que são feridas
Tatuagens-desejo cobrindo um sepulcro
Longe de parecer obscura mensagem
Pode ser lida em espírito encarnado
A mente saboreia ilhas de membros
Despedaçadas em sua vã totalidade
O que é válido é o que se inscreve
Em pele manchada de gestos alheios
Embuste que sintomatiza homem bravo

Fala que enrobustece aquele que perde

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O enforcado

Não se veem mais olhos como os de capitu
Por que não se veem?
Talvez porque não hajam mais orgias
De latim como as de Bentinho!
E os sonhadores, por onde andam?
E os malabaristas e seus livros?
Por que desaparecem da face do mundo
As coisas mais interessantes?
Ainda as orgias de latim e a
Virgindade de certos homens
O que decidir frente a um dilema
Entre o sorvete e a goiaba
Entre o pau e a pedra
Homens indecisos mundo indeciso
Entre o latim e o olhar de Capitu
Um dilema corre pelas veias
D´Assis ofuscando mentes vagueantes
E corpos seculovinteanos
Mas por que gozar de corpo alheio
Se temos nosso próprio corpo?
Caverna iluminada por fachos de luz
O homem nasce e morre fedendo
A ócio, bócio, decrepitude e sandice
São elementos de um estilo?
Frases que ouço e vou aceitando
Compondo meu próprio bestiário
Os homens cercam seus ideais com arame farpado
Porcos transpassam-no, mas apenas porcos são
Eu choro, eu grito, mas o que perdi perdi
Recupero nas águas do lago algo de mim mesmo
Mas não é o suficiente para deixar-me em pé
Envelhecem os homens à sombra de si mesmos
Creem ser felizes com pastilhas na mão
Usam dinheiro de plástico em lojas
Que lhes dão em troca puras ilusões
O encanto que me apraz não atinge o outro
Movimento único e composto de tudo
No brilho de uma faca, no frasco de veneno
Não, outra escolha pode ainda ser feita
O sul e o norte de uma corda no pescoço


Beijo forçado

O sabor do sorvete na boca já gelada
Marca a passagem de um beijo não curtido
Onde o amor não anula a repugnância
Não é possível união de dois corpos
O café amargo não desaparece da boca

De uma pessoa a quem se engana amor

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Xadrez


Começa o jogo                                             peças distribuídas
                                                                          Então ...
  Não há vencedor                                                Ajedrez

J                           Bispo                       L                   que são
O                          Rainha                     A                   o que são
G                          Rei                          B                    o que são
A                          Peão                        I                     o que são
D                          Cavalo                     R                    o que são
O                          Quem                      I                      o que são
R                          Come                      N                     o que são
E                           Quem?                    T                     o que são
S                           ALEGRES              O                     o que são...

           N
              Ã
                  O
                        R
                            I
                                V
                                    A
                                        L
                                            I
                                               D
                                                   A
                                                       D
                                                            E

Pasmem, senhores!

Pasmem, senhores dos altares-mor
Quão grande é o mundo que destruís
Quão grandes são as pessoas que iludis
Pasmem, senhores em seus salões
Que gente mandais para os caixões
Quantos filhos choram pela dor que provocais
As delícias do mundo a seus pés
Não é suficiente sem o sangue do poder
Pasmem, senhores antigamente feudais
Quão belo era o mundo antes de vós
Antes do chicote que empunhais como ordem
Antes dos dentes que mostrais contra os bons
Pasmem, senhores do castelo eterno
Mas eterno não sois, pois vosso fim chegou
Pasmem, olho aberto na guilhotina
Que desce brilhante contra vosso pescoço
Pasmais à visão tépida de vosso próprio sangue

Embriaguez

Sempre
          que
              saio
                   à
                    noite
                          volto
                                para
                                     casa   
                                          embriagado ...
Em cada bar um amigo, em cada amigo
                                        Uma tristeza
Em cada trago uma certeza: a do
Próximo (copo) sempre desejado
A vista turva, então já não enxergo
                                 O que quero
As pernas seguem destino ignorado
Para dar sempre no mesmo lugar
                                          Sempre
                                      que
                                  saio
                   embriagado
             volto
            à
      casa
      à
noite   
Porta trancada, mulher feroz
                                  Que fazer

Dormir com meu cão!

domingo, 27 de outubro de 2013

Paladar

O que sai pela boca do homem...
E o que entra então?
Canal gástrico com entrada e saída
Caminho solúvel e proteínico
Início: boca; término: cu
Sim, o início e o fim podem confundir-se
No sexualizado destino humano
O alimento não é o mesmo que fermento
O que mexe são bolotas de carne ácidas
Monstros líquidos que liquefazem sólidos
Seres vivos dentro de outros seres vivos
O que entra pela boca nem sempre é pão
Às vezes é fruto da morte de um outro
Degustar plantas e ossos de animais pardos
Sentir entre os dentes a maciez de carne alheia
Cheirar, apertar, deglutir vitaminas e sais
Comer para não morrer e então sofrer
Estômago que funciona como máquina
Outros já em breve estragados por ácidos
Estômagos de reis, estômagos de plebeus
O que entra pela boca do homem depende
De seus lucros conseguidos em negócios desleais
Comer bem ou mal não interfere no viver
O corpo aguenta até onde o mecanismo gira
Engrenagem de proteínas, manivelas
ATP, ADN, ARN e Complexo de Golgi
Biologia das deglutições, missa de banquete
Césares em Roma, crianças na Ilha das Flores
Alimento perseguido nem sempre encontrado
O que entra pela boca do homem nem
Sempre deixa de ser repugnante para alguns
Às vezes é alimente comum aos mortais

Às vezes é seiva, sêmen, semente da vida

Chiclete

O que me prende ao chão
Não é a gravidade de Newton
O que me prende ao chão não é
O sapato que me veio de França
O que me prende ao chão
Como puxa-puxa é um maldito
Chiclete mascado por um adolescente!

Sentido

Palavras
Esvoaçantes
Alcançam
Planeta e
Retornam
Significantes
Mas o planeta

Morto fica

Rumores

Eu sonhava com borboletas flamejantes
Em bolas de fogo vindas da África
Cruzando oceanos salpicados de cores
Eu sonhava com bebês decididos no não nascer
Com mães que rasgavam seu ventre em busca
Os homens com lanças laser em sua cabeça
E o pensamento liga luz que desintegra
Eu sonhava com arbustos-abrigos de liliputes
E gigantes que urinavam feito tempestade
Ácido que rega e salga solo sagrado
E ilhas que explodem pois casa de vulcões
Ventos que carregam casas como suas
Tartaruga que nunca precisa decorar lugares
Eu sonhava com cavalos de asas sem dono
Relincham e cortam os ares em voo raso
Heróis e intelectuais que choram de verdade
Espada em punho marcando goela alheia
Eu sonhava com flores perfumando lagos
E peixes podiam vir à tona repisá-las
E sapos cantavam o devir de uma chuva eterna
Eu sonhava e entristecia o meu sonho
Pois a mágica não se fazia senão no fora
E o mundo caminhava como sempre – obtuso

Eu sonhava e em meu sonho eu
era feliz

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sonhos

Miragem miríades de mares mortos
Maremotos morrendo o mar menino
Onde cresce o câncer em profundidade
A pele pelo pó proposta e apodrecida
Vencida a vida em vívidas vítimas
Sonhos são senhores na sã consciência
Quando o galo cantar não sei onde
O que demonstra que nem sempre

Consegue-se atravessar tranquilo a madrugada

Morte gozoza

No estado febril em que me encontro
Que mais posso desejar senão a
Presença da senhora das foices?
Não uma morte bandeiriana
(onde se não foi o que se devia ter sido)
Mas a morte em sua plenitude

Lenta, silenciosa, indizível

domingo, 13 de outubro de 2013

Monstros Kripkeanos

Baixo luar em um sonho ateu
Brilho então quase escuro e perverso
Coube uma língua doce e úmida
O canto sonoro do que foi em vão
E as moças que pousam desnudas
Marcam o compasso da destruição
Do tempo contado e repetido por bocas
Salivas que cospem e enternecem o moço
Monstros, Kripke, sonho no meio das pernas
Agora voo raso rumo a montes de cristal
Reflexo reto de olho em baixo de outro
Pasmo, para, mata e vomita
Claros risos que se metem na estrada
Voluptuosas borboletas mascaradas
Néctar, nácar, soluções de bruxas antigas
Atingem coração frio e sinistro quando
A pulsar nos jatos andorinhas assassinas
Monstros, Kripke, caos, Castro Alves
Um dia, um sonho que se encerra
Outro dia, vida pura e ela mesma
De um si a outro si – o mundo
Vontade encoberta, cheia e marginal
Vestir capas fabricadas por artista
Ouvir um disco pop mimetizado
Soar o nariz e deixar o sangue escorrer
Lamber como vampiro e saciar a sede
O campo abre-se à mente do tradutor
Cavalos empinam em montes de plantas
Na cidade que parou no tempo
Um personagem com lispectoriose
A melancolia, a tristeza, a angústia
Invadem mundo e lispectorizam o total
Param, pensam, logam em cima de olhos
Olhos que não veem mas sentem o pulsar
Ah, como é bom o mijo quente sobre as pernas
Como é bom esperma na palma da mão
E o cabelo do loiro esvoaça aos ventos
E o carro para em velocidade máxima
E o sonho apaga-se e o sono termina
E o canto triste da sereia inocente
Não seduz ainda os ouvidos de Ulisses
E o pneumotórax não é o que paralisa
O pneumotórax marca o que se não foi
Ir e não ter ido, ficar a meio caminho
Abaixar as calças e mostrar a flacidez do órgão
Vomitar ainda canções de protesto

Voar e despedaçar-se... fim!

Soneto de idiotice

Não vai minha pretensão assim tão longe
Que não possa acompanhar minha inteligência
Nem posso nessa vida ser velho monge
Nem posso ser tampouco rei em eloquência

Minha visão em eterno e triste retardo
Um idiota que não segue passos certos
Se lança em alguma direção sem petardo
Não alcança nem mesmo os alvos mais pertos

Cúmulo da idiotice sei que o sou bem
O que sempre erro e ainda assim insisto
O que da esperteza em um átimo tem

Longe de ser belo e venerável animal
Pasta, sofre e não aprende por ser triste

E seu fim próximo desenvolve-se em espiral

Caras e caras

Cáustico semblante que se avizinha
Monte de pelos que assustam a criança
Caras e mais caras que ressituam
Outras caras um dia vistas
Outros sons que saem de bocas
Dentes e mais dentes apodrecidos
Emarelecidos e não escovados
O chumaço negro despontando no nariz
Caras e mais caras que assustam a criança
Boca torta e disforme
Nariz agudo e persecutório
Queixo em forma de nau em movimento
Cores e mais cores que se repartem no fim
Orelhas que já não protegem mais o som
Olhos esganados pelo já visto e
E jamais esquecido pela re-retina
Babas que saem junto com palavras
De bocas que jamais souberam o calado
Caras e caras, os passeantes olham
A cabeça grande e redonda e vazia
A testa lisa e pungente
Caras e mais caras de cidadãos comuns
Onde então o sofrimento mora?
No corpo, nos órgãos do corpo
Onde os anos carimbam o tempo gasto?
No corpo, nas margens do corpo
Onde a escuridão corre seu medo?
No corpo, na superfície da carne
Onde? No corpo? Já? Morte!
As caras e mais caras enterradas
Em madeiras apodrecidas e comíveis
Fatos que ficam de sons mortais

Caras e mais caras de papel amarelo.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Diferenças

Um agroboy motorizado cruzando o campo
Uma imagem do futuro para olhos infantis
Passagens do tempo medidas e sentidas
Também penadas porque marcam certo
Envelhecimento precoce
Diferenças... nascenças em frontes pálidas
Os pais dos pais dos pais dos pais....
Ah, mundo e fundos de multidões
Que deixam seu genótipo em caos
Diferenças são igualdades em certo tempo
O tempo do corpo e do porco espírito
O que sou não é o que eu pretendia ser –
Grande novidade! E a Psicanálise? –
Mas o que pude ser em determinado caso
Vejam o que o espelho mostra de perverso
Diferenças que são diferenças diferentes
Um broto de feijão, uma vara de pescar
Uma roda de carro, um chip de computador
Passagens do tempo em profusão
Da terra arável ao teclado manipulável
Nonserdeinsignificânciaframadevida...

Parábolas, “palávoras”, palavras, continentes

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Patins

É um cair-se e levantar-se infinito
Pés sobre pés sobre pés
Animais de estimação sobre rodas
Homens, primatas, homens
Um dia levantaram sobre pés
Agora querem mais pés sobre pés
Sapatos, rodas, muletas
Um dia alcançar o espaço
E esquecer a alpercata
Voltar a cheirar o chão e o cu do outro!
Erguer-se em dois pés tem seu preço
Bípedes, não podem mais querer
Bípedes, inventam os patins

E roda sobre um desejo a conquistar

Pátria Amada

Fatos e conversas mirabolantes
Ocorridos em corredores de S. Geraldo
Mulheres perdidas em seios vibrantes
Desejos escondidos por vielas de S. Geraldo
O que escutam é o sussurrar
Cantante e marcante de corpos vadios
Em igrejas e bares de S. Geraldo
Carros, máquinas, homens, porcos
Grunhem e esbaldam-se pelo
Chiqueiros respeitados de S. Geraldo
O que contam encantam passeantes
As visitas nem sempre voltam
O que assusta é o mesmo sempre
A pasmacenta vida de S. Geraldo
Mas por que todos são felizes
No não-nada, no absurdo seio

Deste pavoroso mundo de Sônia Geraldo?

Pindorama

Falésias ocas e bem situadas
Às vezes um mapa de cabeça
Para baixo e distanciando-se
Continentes que se rompem
Montanhas que atingem o céu e
Criam vales por onde passam rios
Terra do mel, de céu azul e quente
Terra da fortuna e de vida fácil
Um novo pindorama de homens explorados
Terra brasilies, “celeiro do mundo”
Gruda os olhos em símbolos
De fertilidade e descontentamento
Onde o sul junto ao norte?
Onde estados unidos do Brasil?
Migrantes cansados e interrogativos
Lágrimas que não se lançam mais
Pobreza, miséria refletida no pó
Fronte feita fato fútil
O Zé Pelé corre mato solto
E chega a zonas de edifícios cinzentos
Onde a coragem de voltar ao chão?
Onde o clima de açambarcamento?
Um coração, um dia de cidadão
Mesma coisa, cidade e sertão
Mesmo plátano como palco onde
Desenrola-se o crime da incompreensão
Pindorama, que se ama em vão
Terra de política que é mentira
Terra de homens fracos seduzíveis
Terra ainda assim amada e sôfrega
Um júbilo que não é só da criança
Para que outra terra imigrar?

Aqui nascer, crescer a aqui morrer